Pegando no tranco
Martha Medeiros
Não lembro qual foi a primeira vez que escrevi, mas deve ter sido o meu nome, não sou muito original. Desde então não parei mais: passei a infância e a adolescência escrevendo diários, cartas e poemas que um dia saíram da gaveta e encontraram um leitor interessado. Foi assim que tudo começou.
Hoje estou convencida de que escrever não é só minha profissão: é minha terapia. Nada ajuda mais a entender o que a gente pensa do que colocar as idéias no papel. A fala é um meio de comunicação imbatível, mas perigosamente econômico. Você pode dizer com uma única frase o que sente por uma pessoa ou o que achou de um filme, e até pode se fazer entender em silêncio, bastando usar a expressão do olhar ou um meio-sorriso.
Escrever é mais desafiador. Você não pode contar com seu tom de voz para insinuar uma ironia, não pode gargalhar denunciando um deboche, não tem os movimentos da mão revelando ansiedade. Você só conta com as letras do alfabeto e será preciso ir além de uma única frase para que acolham sua verdade e sua loucura. Você será obrigado a organizar o pensamento, a esclarecer sensações confusas, a comunicar-se sem a ajuda dos olhos verdes. Você terá de aprender a piscar com a vírgula, a seduzir com o verbo, a fazer rir antes do final da piada. Escrever é desnudar o invisível, revelar os segredos que você nem sabia que guardava. Escrever é iluminar lá dentro.
Sorte nossa que, em literatura, pode-se acender a luz com fósforos alheios: leia tudo o que lhe cair nas mãos. E escreva sem visar à Academia Brasileira de Letras. Escreva para você mesmo, 15 linhas sobre o filme Armagedon, sobre o último clipe dos Racionais, com o que sentiu com o fora que a sua namorada lhe deu. Ela fez isso? Escreva até o cérebro pegar no tranco e a mão desenferrujar. Depois que acostuma, não dói mais.
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